O texto que o leitor tem em mãos é um livro sobre livros, seus autores, seus tempos e suas circunstâncias, atento às historicidades e às durações. Composto por três unidades, o que há em comum é a natureza das fontes: textos impressos voltados ao público e, por isso mesmo, intervenções políticas no mundo dos vivos. Em comum ainda (ao autor e às suas fontes), a permanente reflexão sobre a formação brasileira sob diferentes ângulos, problemáticas e regiões.
A primeira unidade destes Capítulos de História Intelectual ocupa-se do Brasil de fins do século XIX princípio do XX, tempos de racismo científico, imigração e abolição, cujos dramas, tensões e diversidades saltam das páginas de Machado de Assis, Sílvio Romero e Euclides da Cunha.
Já a segunda unidade investe na compreensão das lutas pela memória de São Paulo, quer na historiografia quer nas artes, de fins do século XIX, até os anos 1940, permeados por múltiplos bandeirantes que emanam da historiografia de Afonso de Taunay ou compõem o discurso visual do Museu Paulista. Aqui aparecem ainda os sertanistas narrados pelos cronistas paulistas do século XVIII, Pedro Taques e Frei Gaspar da Madre de Deus, não por coincidência resgatados na primeira metade do século XX, quando São Paulo assumiu um protagonismo nacional que reinventou o passado colonial.
Por fim, a terceira e maior unidade do livro gira em torno de dois importantes intelectuais: o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre e o historiador britânico Charles Boxer. Em comum, ambos gastaram parte de suas vidas para pensar e narrar o passado colonial do Brasil e do Império português. Como não é possível olhar ao passado sem afetar-se do presente, ambos ofereceram respostas muito diferentes para a questão da raça e do racismo, nas décadas de 1950 e 1960, quando a politização do tema ocupou um lugar central no pensamento ocidental. Como que a refletir os novos tempos — de descolonização da África, dos movimentos civis protagonizados pelos negros norte-americanos, de novas intervenções intelectuais –, Freyre e Boxer, marcados pelas suas escolhas e circunstâncias, deram respostas distintas a um velho tema: a mestiçagem e o racismo.
Temas que, a sua maneira, já apareciam em Sílvio Romero e Euclides da Cunha (ou obliquamente em Machado de Assis), ou ainda em Afonso de Taunay e nos discursos bandeirantes. Como questão de fundo, sempre ele, o passado colonial, revisitado por cada novo presente.